O que são monstros? Criaturas que não consideramos humanas, nem animais ou vegetais? Coisas feias e que nos aterrorizam? Uma manifestação do repulsivo?
Temos várias respostas para essa pergunta, e inúmeras representações monstruosas em todos os tipos de mídia. Em “A filosofia do horror”, Noel Carroll define que “o senso de monstro não necessariamente envolve uma noção de feiura, mas de que monstros são coisas que violam a ordem natural, quando consideramos o natural determinado pela ciência contemporânea”. Que melhor exemplo de violação natural do que qualquer manifestação de mortos-vivos? Ou, melhor ainda, em The Last of Us, onde a infecção do fungo cordyceps cria uma transformação de vivos-mortos?
Em nosso segundo minidoc, vamos aprofundar os estudos sobre a terrível pandemia fúngica que assolou o mundo de The Last of Us, mostrando desde o início de sua propagação até os abjetos estágios da infecção, com todos os detalhes (e estudos!) possíveis. Caso esteja aqui mas não conhece muito a respeito dos jogos, ou caso queira refrescar a memória, estamos publicando todo tipo de conteúdo sobre a franquia, então não esquece de se inscrever em nosso canal, seguir nossas redes sociais (todos os links do menu principal) e, se quiser nos dar aquele apoio para viabilizar nosso trabalho e receber várias recompensas legais, dá uma olhadinha no nosso Apoia.se!
Esse vídeo contém spoilers de algumas cenas dos games The Last of Us Part I e Part II, mas focando principalmente nos infectados e não na história. E alerta de gatilho para mutilações, bichos feios, conceitos nojentos e escatológicos e muita, mas muita violência.
INFECÇÃO CBI EM TLOU
Sabemos que o início da infecção denominada Cordyceps Brain Infection – ou CBI ocorre nos Estados Unidos em algum momento no mês de setembro de 2013 em The Last of Us. Espalhando-se rapidamente por todo mundo, é responsável por infectar ou matar 60% de toda população. O pior de tudo: os infectados não simplesmente morrem, mas passam por uma mudança comportamental e física que os transforma em criaturas horrendas, que pouco a pouco vão perdendo seus sinais de humanidade. É toda a base do cenário pós-apocalíptico do game, e razão pela qual vemos a um mundo destroçado física, política e socialmente.
MONSTROS
Claro que pensamos na parte biológica da infecção (e já vamos falar sobre isso), mas antes de tudo quero trazer uma autora búlgara chamada Julia Kristeva que fala sobre abjeção, um conceito que vai parecer meio esquisito no começo mas juro que tem tudo a ver com cordyceps. Em “Powers of horror”, Kristeva diz que “o abjeto se refere a reação humana (horror, vômito) a uma ameaça na quebra de conceitos causada pela distinção entre sujeito e objeto ou entre o si e o outro”. O que isso quer dizer? Quando somos obrigados a encarar alguma coisa em estado de borda, que não pertence nem a um lado, nem a outro, temos uma imediata repulsa. É uma ameaça ao nosso entendimento de realidade e identidade.
Ao mesmo tempo que é mais tangível entender a repulsa por coisas nojentas (merda, podridão, sêmen), tudo que está numa borda de significados, num estado de mudança, é uma ameaça cognitiva. A gente simplesmente se retorce. Por exemplo, a evolução nos leva a rejeitar cadáveres porque, primeiro, biologicamente nosso corpo entende que isso pode atrair doenças, mas psicologicamente vemos uma mudança entre o vivo e o recém não-vivo. Dá um bug no cérebro. E essa repulsa significa que queremos nos afastar do lado não-vivo, nos reafirmando na identidade do lado que está vivo. Se rejeito o cadáver e tenho repulsa, automaticamente me jogo para o lado oposto de seu significado morto. Afinal, ninguém quer morrer.
Ao pensarmos no abjeto, temos que pensar nas bordas e em espaços que estão entre dois mundos – vivo e morto no cadáver, cheio de nutrientes ou com doenças mortais para cogumelos (alguns nos alimentam, alguns nos matam). Não é novidade que histórias de mortos vivos estão há séculos em culturas ao redor do mundo, porque justamente o terror de algo que habita uma borda, na manifestação do morto que volta a vida, é simplesmente aterrorizante pro nosso entendimento natural das coisas. Quando juntamos isso a uma infecção com fungos – outra coisa naturalmente esquisita-, é ainda mais brilhante por todo significado que fungos tem pra nós. É meio complexo, mas vamos voltar ao cordyceps e dissecar o abjeto (ha ha) pouco a pouco!
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BIOLOGIA DOS FUNGOS
Para entendermos um tiquinho a respeito de sintomas e evolução de estágios do cordyceps, vamos começar do começo: bora de aulão de biologia, que The Last of Us Database te informa sobre o melhor jogo do mundo e ainda te ajuda a passar no ENEM!
Falando sobre nosso mundo real: Fungos são células vivas. Cobrem muitos organismos microscópicos (como mofo) e macroscópicos (como cogumelos) e abrangem diversos tipos de estruturas físicas. Fungos tem algumas funções como criar uma relação simbiótica, vivendo junto com raízes de plantas, onde há benefícios mútuos, além de produzirem diversos alimentos com a fermentação (pães, laticínios, cerveja – especialmente importante pra mim). Também ajudam com produtos medicinais, como, veja só, a penicilina (genus penicillium), antibiótico responsável por salvar inúmeras vidas desde 1928, quando Alexander Fleming descobriu seu uso.
Cogumelos já começam sendo uma borda de significado: são criaturas vivas, que tem seu próprio reino, mas não são nem animais e nem vegetais, e possuem mais de 1.5 milhões de espécies – 6 vezes mais que plantas! Então não é difícil imaginar que no meio de tanta variedade poderia ocorrer uma mutação. Alguns servem para alimentação e como tratamento de doenças, outros podem matar quem os come, e isso também causa uma confusão na nossa sensação em relação a eles.
Fungos são os decompositores moleculares da natureza, mas nem sempre se alimentam de coisas mortas. O cordyceps, por exemplo, é um fungo que precisa de criaturas vivas para seu ciclo, como um parasita. Por conta disso, há associação de fungos com morte e deterioração, algo que até faz sentido, mas que também reforça a sensação de abjeto. Eles estão no final e no início das coisas.
Para dar ainda mais contexto, o cogumelo é um quase equivalente à fruta dos fungos, como a maçã estaria para a macieira, de acordo com o documentário Fantastic Fungi. Isso quer dizer que quando vemos os cogumelos, é sinal que os fungos já estão profundamente enraizados dentro do hóspede no caso de The Last of Us. Além disso, fungos são inteligentes, já que tem capacidade de reagir ao ambiente, buscar comida, se reproduzirem e se defenderem de ameaças. E falando em ciclo de vida, o micélio, a base dos fungos, enquanto tiver comida, pode teoricamente viver pra sempre! Por isso mesmo a infecção tendo iniciado há décadas no jogo, eles estão presentes, firmes e fortes, e cheios de variações.
CORDYCEPS
O tipo de fungo que causou a infecção em The Last of Us é chamado cordyceps, inspirado no verídico ophiocordyceps sinensis, se manifesta em cerca de mil tipos diferentes, alterados para cada espécie de animal hospedeiro segundo documentário da BBC, e existem a pelo menos 50 milhões de anos! Afetando principalmente formigas e outros artrópodes, o fungo se aloja no cérebro do animal afetado, que começa a apresentar um comportamento alterado. O cordyceps leva a formiga até locais mais altos, onde o fungo tem capacidade de crescer e emergir a partir da cabeça delas em até 3 semanas, e depois, com a coitada já num lugar fixo, espalha seus poros e infecta novas formigas. Algumas espécies espalham 30 mil esporos por segundo e devastam colônias inteiras. Quanto mais populosa a espécie, melhor para o cordyceps se multiplicar, o que faria sentido buscar pela espécie humana quando mutado para atingir grandes mamíferos.
Cordyceps Brain Infection em The Last of Us
O início dessa infecção não é tão claro, mas podemos supor uma origem. É mencionado no jogo que tudo pode ter começado com colheitas infectadas vindas da América do Sul (onde mais os Estadunidenses iriam botar a culpa, né!) e trazidas para outros lugares do mundo, por conta de, talvez, de macacos. Quando Joel e Ellie exploram o laboratório dos Vagalumes na Universidade do Sul do Colorado, temos diversas anotações de experimentos com macacos por parte de um cientista. Sabemos pelos registros que os macacos não manifestam sintomas, no entanto são hospedeiros da doença. Quando o cientista é mordido por um dos macacos que liberta após os experimentos, ele sabe que está infectado. Assim como o HIV, o que pode ter ocorrido é que, na transição entre a doença vinda ao macaco e sendo passada aos humanos, houve a possibilidade da infecção se manifestar. Humanos comendo formigas com cordyceps não estariam infectados, mas essa evolução passada dos macacos para nós, aí sim nos afeta.
Segundo a teoria de Roanoke Gaming, é possível que macacos comeram formigas e outros insetos infectados por essa versão mutada e diferente do cordyceps que afeta humanos, cagaram nas colheitas (habitat natural deles, afinal), e as colheitas foram ingeridas pelos humanos desavisados, que sofreram sintomas dessa infecção. Como a América do Sul exporta esse tipo de recurso ao mundo todo, a doença se manifesta em todos os lugares, e seu rápido período de incubação e sintomas extremos causou essa terrível pandemia.
CONTÁGIO
Existem duas formas de contágio sabidas até o momento:
- Contato com fluidos corporais: Saliva e mordida de infectados é o suficiente para contagiar alguém.
- Inalação de esporos: Como só vemos pessoas usando máscara em lugares mais fechados, podemos assumir que é preciso inalar uma grande quantidade de esporos para que a infecção seja incubada.
SINTOMAS
Os sintomas se manifestam em apenas um a dois dias após a incubação da doença, provavelmente dependendo da quantidade de esporos ingeridos ou local da mordida no paciente – quanto mais perto da cabeça, mais rápido, já que a infecção ocorre no cérebro. Com o alojamento no corpo do doente, assumimos que o cordyceps é um imunossupressor: ou seja, o corpo não reconhece como ameaça e o sistema imune não é ativado para atacar o fungo. Inclusive, o que faz Ellie ser imune é o fato de que seus anticorpos atacam a doença, por isso ela não apresenta sintomas nem transmite o cordyceps.
Quando dentro do corpo infectado, o CBI passa da corrente sanguínea para o fluido cerebral espinal, onde inicia o controle do hospedeiro e começa a tomar suas funções. Alguns dos sintomas iniciais são:
- Espasmos e perda do controle motor, que se dariam pelo estímulo no cerebelo, local responsável por nossa coordenação física;
- Agressão extrema, podendo significar a tomada do sistema límbico e estímulo da região da amígdala (como faz o toxoplasma com ratos);
- Fome extrema, causando o infectado a se tornar canibal, que seria explicado pela ativação de fortes estímulos no hipotálamo;
- Instintos animalescos como perda da comunicação, normalmente controlados pelo famoso “cérebro lagarto”.
Em uma carta de paciente em The Last of Us Parte II, são descritos alguns dos sintomas por um infectado de nome Don Carter – que aliás, fizemos um audiofile com essa leitura aqui no canal! Inicia-se com a mordida e dor no local, irritabilidade e nervosismo e rápida piora no local ferido. Em seguida o paciente acorda com muita fome, mas sem conseguir comer ou ingerir líquidos sem vomitar, com dores de cabeça extremas, perda de pensamento, insônia, mais fome e dor nos olhos, até que implora por sua esposa e para de escrever. Todos esses sintomas descritos são muito similares à raiva, que também atinge humanos e é quase sempre letal. O que diferencia o CBI de outras doenças ocorre em seus estágios de infecção:
ESTÁGIOS DO CORDYCEPS BRAIN INFECTION
1- RUNNERS OU CORREDORES
O primeiro estágio acaba sendo o mais triste deles, porque ainda vemos um limiar de reação humana no infectado. Com agressividade extrema, canibalismo e retorno a muitos instintos animalescos, os Corredores tendem a atacar quem chega perto e normalmente andam em grupos. Ainda assim, ouvimos gritos, choro, espasmos e, às vezes, até mesmo uma recusa em atacar (a não ser que estejam ameaçados). Não se sabe o quão consciente o infectado está, mas sua manifestação chorosa faz pensar que o pobre hospedeiro ainda está lutando contra seu parasita e pode até ver e entender tudo que faz, mas sem poder reagir. Quanto a mudanças corporais, vemos alguma manifestação de fungos principalmente em seus rostos e na região dos olhos, mas ainda de forma sutil.
Como o primeiro estágio ainda é o mais “humano” de todos, voltamos à Kristeva. “O abjeto é “aquilo que perturba uma identidade, um sistema, uma ordem. Aquilo que não respeita os limites, os lugares, as regras. O intermediário, o ambíguo, o misto.”. A pessoa que ainda está viva, mas com sua consciência morrendo. Seu corpo vivo que é tomado por fungos, responsáveis pela deterioração de matéria morta. O amigo, pai, mãe, filha, namorado, esposa, irmão, vizinho, que agora torna-se outra coisa, que muda seu significado, que se afasta da barreira do vivo e entra no campo do morto.
2- STALKERS OU PERSEGUIDORES
Com cerca de duas semanas de infecção, os perseguidores apresentam uma mudança de comportamento. Seu controle motor, tomado ainda mais pelos fungos, impede que o hospedeiro lute tanto contra a infecção, algo que fazia os Corredores andarem dum jeito mais desastrado. Perseguidores são mais silenciosos, rápidos, e como os fungos crescem mais em seus rostos, tem uma piora na visão. Vemos partes de cogumelos saindo de seus olhos e a bioluminescência presente, além de uma palidez maior no infectado. É possível ouvir alguns ensaios de cliques em suas vozes, que serão cruciais para seu próximo estágio.
Perseguidores usam de muita estratégia para emboscar seus alvos, o que causa muitos sustos enquanto a gente joga, se escondendo inclusive em áreas cobertas de fundo para espreitar atrás de suas vítimas. A ironia é que, por mais que estejam mais cobertos de fungos, seu modo de ataque é mais inteligente e estratégico, já que o fungo tem mais controle do corpo do hospedeiro. Sua força também é maior que corredores, provavelmente porque seu controle muscular por parte do cordyceps é mais intenso. É adaptado para extremos e prospera em locais fechados e escuros.
3- CLICKERS OU ESTALADORES
A assinatura de The Last of Us, os estaladores são um estágio de infecção após cerca de um ano da contração do CBI. Uma forma esquisita e aterrorizante, onde o crânio é rompido após o fungo literalmente abrir a cabeça do pobre hospedeiro, separando sua arcada dentária, perdendo o nariz, tornando-o cego e completamente agressivo. O corpo se torna ainda mais coberto de fungos, que acaba criando uma armadura, onde podemos imaginar uma calcificação na parte fúngica. É tão resistente que, enquanto adultos como Joel conseguem quebrar um corredor ou perseguidor no soco, os estaladores resistem até mesmo a tiros na cabeça, geralmente precisando ser alvejados múltiplas vezes até morrerem.
A calcificação pode ser uma resposta do cérebro, agora completamente infectado, para aumentar a resistência do corpo, numa manifestação contrária ao tipo de calcificação que ocorre quando o corpo elimina parasitas e vermes como é o caso da neurocisticercose – que calcifica a taenia no cérebro após morta. A força sobre-humana ocorre com o controle do lobo frontal, no na área cortex motora, que às vezes vemos manifestar quando pessoas passam por situações de extremo perigo e tem que fazer de tudo pra sobreviver. Sua bioluminescência também é vista de longe, já que os fungos estão ainda mais aparentes principalmente na região da cabeça, formando uma flor de infecção.
Como são cegos, utilizam uma manifestação de cliques vocais – daí vem seu nome – para gerar uma ecolocalização, que nem morcegos e corujas fazem para caçar. O som é emanado e ressoa longe, que pode também explicar o porquê da abertura maior e interna no crânio, e conforme as ondas retornam ao estalador, ele sabe quando alguma coisa se moveu naquele local. E aliás, não só os morcegos que usam esse método! Numa matéria da BBC, um homem cego chamado Daniel Kish usa sons de estalos de língua para “enxergar” (entre aspas) com ecolocalização. O documentário “Boy who sees without eyes” mostra que Ben Underwood utiliza o mesmo método, e caso queiram procurar online tem ainda mais pessoas que utilizam ecolocalização. São os próprios Demolidores da vida real!
Esse estágio também mostra a falta de qualquer respingo de humanidade no infectado. É possível que por conta do fungo ter se espalhado completamente no cérebro, tenha destruído seu lóbulo frontal, estando fadado a um estado mais selvagem e animalesco. Ficam num modo parado ou vagante, mas quando ouvem algum possível alvo, correm agressivamente para o ataque, como um berserker.
4- BLOATERS OU VERMES BAIACU
Quando um Verme é avistado, é aí que o bicho pega! Seu nome em inglês, bloater, que significa “inchado” faz bastante sentido quando olhamos sua forma. Após cerca de uma década de infecção, se exposto nas condições corretas – porque afinal cada tipo de fungo precisa de um ecossistema pra poder se proliferar – vemos a rara ocorrência dos Vermes. Sua carapaça completamente coberta de cogumelos, com partes mais grossas e endurecidas de fungo, costumam ser bem grandes e muito fortes e resistentes. Como em vinte anos de infecção vemos poucos deles, pode ser que seja preciso um infectado já particularmente grande e com acúmulo de gordura, comida o suficiente e ambiente fechado pra se desenvolver a esse ponto. Pelo seu tamanho e peso, são lentos e com movimentação e audição mais limitada que as formas anteriores, porém tem uma forma extra de ataque: jogar bombas ácidas de esporos!
Para equilibrar a dificuldade de locomoção, os Vermes atingem longas distâncias jogando partes dos fungos dos seus corpos em seus alvos, matando-os na hora caso sejam atingidos em cheio e causando tosse e infecção caso a pessoa sobreviva. É um inimigo letal e ninguém sobrevive a sequer um tapinha do monstrão.
5- SHAMBLERS OU TRÔPEGOS
Introduzidos em The Last of Us Parte II, temos um novo tipo de infectado e não menos letal que os anteriores. Como já mencionamos, existem milhões de espécies de fungos, e é natural que ocorram mutações entre os tipos de cordyceps quando expostos a ambientes diferentes. O mundo é enorme e abriga todo tipo de condição, afinal. E o que acontece quando um infectado é submetido há anos e anos de chuva e umidade? Encontrados em Seattle, essa variação mostra uma forma também muito grande e forte, mas com aparência e método de combate diferente dos Vermes. Com a pele rosada e mais exposta, quase como uma reação alérgica, Trôpegos são completamente cobertos de pústulas em sua região da cabeça, ombros e torso. A parte traseira do crânio, diferente dos estaladores, não fica aberta por flores de cogumelo, e sim pela presença de mais nojentas pústulas. O nariz e parte dos dentes segue aberto, mas os olhos são ligeiramente mais preservados, e por conta do peso em seu pescoço e desse inchaço, os trôpegos são o único estágio que vimos até agora que não consegue atacar com mordidas.
A falta de mobilidade no pescoço e lentidão de movimentos faz com que seu método perfeito de ataque seja um ácido produzido pelo seu próprio corpo, que explode como esporos e atinge tudo que estiver em volta. A forma que se alimenta é simples: depois de dissolver sua presa com toda acidez, pode comê-la pouco a pouco, que aliás combina muito com a forma que fungos praticam a decomposição de tantos materiais orgânicos, desde pele, madeira e até óleo. Inclusive podemos ver o tipo de ação que o ácido dos trôpegos deixa no ambiente a sua volta, quase como uma ferrugem.
6- RAT KING OU REI DOS RATOS
Após 25 anos de infecção, nos encontramos com o suposto paciente zero da região de Seattle no hospital Lakehill. O pico da abjeção é criado pela junção de um Verme, alguns Perseguidores e Estaladores, unidos pelo cordyceps numa massa híbrida de carne, fungos e sangue. O subterrâneo de um hospital abandonado, úmido e que vez ou outra recebe visitas de desavisados, que tornam-se infectados ou comida, formam o ambiente perfeito para a aberração proliferar.
Seu tamanho monstruoso, que pra surpresa de ninguém o torna forte o suficiente para quebrar várias paredes do hospital e resistente à inúmeros tiros e bombas, faz com que seja o chefão infectado mais difícil da franquia. Vemos a armadura de fungos e a pele que os une, mas a parte mais interessante é que, por mais que cada membro dessa cacofonia de infectados tenha suas próprias ações, o fungo de alguma forma parece trazer alguma união coordenada. Quando algum lado é ferido, todos se retorcem, e apesar do caos de braços e pernas diferentes, parecem sempre se mover em direção a uma mesma área. Quase como siameses – ou melhor, como colônias de fungos.
O cordyceps dá propriedades interessantes a todos os “ratos” dessa composição, como ácido igual trôpegos, apesar de não termos nenhum presente na mistura. Quando está quase morto, vemos um perseguidor se desprender da base do Rei dos Ratos e continuar atacando Abby, mas dessa vez, além de suas habilidades normais, o vemos jogando uma bomba de esporos – algo que só era possível em Vermes! Seu corpo tem modificações também similares às pústulas de Trôpegos e crostas de fungo dos Vermes, o que reafirma a união tão interessante e simbiótica do Rei dos Ratos. Ele tão literalmente representa a quebra de bordas, que junta toda abjeção das diferentes fases do cordyceps numa grande massa de tudo que vimos e lutamos contra no jogo, toda representação da morte e da barreira do lado pútrido.
E aliás, sabia que para a captura de movimentos do bichão também foi preciso a união de atores? O nome do infectado vem de uma também rara ocorrência registrada em alguns países europeus, em especial a Alemanha. O Rattenkönig foi inicialmente registrado no século XVI, com a união de ratos que tiveram suas caudas enroscadas umas nas outras e podiam viver muito tempo juntos, como uma massa de ratinhos. Deram origem a muitas lendas e personagens na cultura popular, inclusive.
HÁ UMA CURA?
Após 25 anos de infecção, não foi encontrada uma cura ou vacina, sequer um tratamento. A esperança dos vagalumes se esvai quando sua líder, sede e dos únicos cientistas que poderiam criar uma vacina são dizimados no hospital de Saint Mary ao final do primeiro The Last of Us. Ellie parece ser a única pessoa imune já encontrada. Lido em relatos do hospital, o fungo sofreu uma mutação nela, embora ainda atingindo todo seu cérebro, e faz com que a garota tenha anticorpos que atacam o cordyceps ativamente, e por isso não apenas não manifesta sintomas, como também não é uma hospedeira como foram os macacos. Ellie pode morder seus inimigos e beijar as namoradas sem medo de propagar a infecção, porque seu corpo é capaz de reagir.
Pra explicar como as coisas funcionam, a vacina poderia ser a única esperança pra humanidade, já que seria uma forma de fazer com que o corpo de outras pessoas entendesse que, na presença da infecção, devem ativar seus anticorpos. Quando recebemos uma dose de vacina, o organismo reconhece que aquele corpo estranho deve ser combatido e já se prepara para brigar contra a infecção até antes de ser exposto à doença. Mas quanto a isso, talvez nunca saberemos a resposta, já que não foi possível criar a vacina – até agora.
Ellie se isola e sente-se sem propósito quando descobre que poderia ser a única esperança do mundo, mas isso lhe foi tirado. Vai além de uma síndrome do sobrevivente. Foi mordida, mas nunca passou da fase viva para a morta, e como repete há anos, “ainda estou esperando minha vez”. Abjeto é um processo onde formamos nossa identidade. Por isso Ellie, infectada mas sem a manifestação da infecção, saudável e sem se tornar um monstro, é alguém que vive na borda de entender seu próprio cerne. Enquanto o mundo morre um dia após o outro, Ellie quebra barreiras na própria abjeção, vivendo nos dois lados – vida e morte – ao mesmo tempo. E nas margens da infecção do cordyceps, é preciso mais do que resistir e sobreviver.